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| author | Silvio Rhatto <rhatto@riseup.net> | 2016-12-02 16:06:56 -0200 | 
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Books: sem tesão não há solução
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| diff --git a/books/amor/tesao.mdwn b/books/amor/tesao.mdwn new file mode 100644 index 0000000..bb0fd1e --- /dev/null +++ b/books/amor/tesao.mdwn @@ -0,0 +1,429 @@ +[[!meta title="Sem tesão não há solução"]] + +* Tesão: versão expandida do conceito de `awareness`, com alegria, prazer e beleza. +* Em geral é bem interessante, apesar de alguns conceitos que considero desnecessários: +  * Uso de argumentos baseados na genética biológica (por exemplo na página 36). +  * Inconsciente Coletivo (pág. 23). +  * Que a "posse e domínio sobre os outros homens" passou a ser preferido com a agricultura e domesticação de animais (pág. 32). + +## Geral + +    A vida, para mim, não tem qualquer sentido. Ter nascido, estar vivo, ser eu +    mesmo o centro do Universo em termos de consciência, tudo isso eu sinto apenas +    como um fascinante, incompreensível e indesvendável mistério. +     +    Não pedi e não escolhi de quem, por que, onde e quando nascer. Da mesma forma +    não posso decidir quando, como, onde, de que e por que morrer. Essas coisas me +    produzem a sensação de um imenso e fatal desamparo, uma insegurança existencial +    permanente. +     +    O suicídio poderia ser uma contestação ao que estou afirmando, supondo-se que +    através dele posso decidir se quero ou não viver, que tenho algum poder sobre a +    vida. Mas quem me garante que o suicídio é realmente um ato voluntário? +    Acredito + +    -- 19 + +    Poder, hierarquia, perversão, crueldade, sadomasoquismo, paranóia, dor-prazer de mandar. + +    -- 30 + +    Parece, à primeira vista, sobretudo para os que ainda o tem enrustido e +    reprimido, não ser fácil disciplinar o tesão. Sem dúvida, mas para entender +    isso direito faz-se necessário primeiro investigar os conceitos de disciplina, +    responsabilidade e imaturi- dade para os protomutantes. Penso que não existe +    nada tão rigidamente disciplinado quanto as forças da Natureza que produzem o +    dia e a noite, as marés, as ondas do mar, as chuvas, os ventos, a vida vegetal +    e animal, as estações. Tudo no Universo obedece a um tipo de disciplina rígida, +    mas contraditória também. +     +    [...] +     +    Isto quer dizer que na Natureza, fazendo uma comparação com a criação musical, +    a vida se organiza num modelo rítmico mais ou menos rígido de tempo e de +    espaço, mas é todo livre o seu tesão, que varia segundo as circunstâncias +    produzidas por variáveis para nós imperceptíveis e que geram sempre novas e +    originais melodias e harmonias. O sol se põe diariamente, mas nunca o +    crepúsculo se apresenta igual, no mesmo horário e no mesmo lugar. Nem sua + +    -- 38 + +Será que a oposição a seguir é necessária?: + +    A atitude relativista — a busca do tesão e o comportamento lúdico dos +    protomutantes em seu cotidiano libertário — pode ser encarada como imaturidade +    e irresponsabilidade pelos tradicionalistas. As pessoas sérias e que vivem sob +    e no controle de valores absolutos, colocam o dever antes do prazer ou o dever +    em lugar do prazer. Talvez o único prazer possível para eles seja a sensação +    aliviada e orgulhosa do dever cumprido a qualquer custo. Essa atitude perante a +    vida convencionou-se chamar de comportamento responsável, que é exatamente o +    contrário, na teoria e na prática, do comportamento tesudo. + +    -- 39 + +    Tudo isso foi dito para afirmar que o uso da palavra responsabilidade é algo +    indevido e impróprio, porque ela não significa qualquer ato moral, atestando +    sua capacidade de cumprir obrigações e deveres, como também não designa pessoa +    confiável e disciplinada.  A origem latina da palavra responsabilidade +    significa apenas a capacidade de dar resposta e, supõe-se, capacidade de dar +    respostas adequadas, próprias, originais e satisfatórias a estímulos que se +    recebe. Claro que cada resposta reproduz nossa ética, nossa ideologia, nossa +    psicologia.  Em síntese, quero dizer que ser mais ou menos responsável +    corresponde à relação dialética entre o nosso medo e o nosso tesão no viver +    cotidiano. + +    -- 40 + +    Já se viu alguma forma de vida e de trabalho escravo à qual o homem foi +    submetido, na qual lhe tenha sido negado o direito a uma companhia para o afeto +    e para o sexo? Um mínimo de afeto, qualquer possibilidade de satisfação sexual, +    além de procriação garantida, mesmo nas condições mais miseráveis e sórdidas, +    parecem suficientes para garantir a circulação da energia vital necessária no +    corpo das pessoas e para alimentar a sua ilusão de felicidade. Ilusão que +    justificaria o fato do homem se submeter à escravidão. Essa capacidade de +    resistir vivo, mesmo como escravo, não pode ser explicada sem se recorrer ao +    poder da fé, do qual o poder do amor seria apenas uma subsidiária ou uma +    eventual encarnação. + +    -- 46 + +    Arte, beleza, estética. + +    -- 57-74 + +    Eu gosto muito da geração hippie, e sei distinguir o joio do trigo. Sei onde +    está a neurose e a sacanagem do hippie, e a verdade dele. Pra mim o hippie +    certo é o sujeito que se nega a participar da sociedade de consumo, sem deixar +    com isso de participar da história da humanidade. Conheço vários hippies, em +    todos os campos: letras, ciências, artes, filosofia, etc., que se negam a +    participar da sociedade de consumo mas não param de criar, de lutar. O que não +    faz nada, só está na dele, esse é o sacana, porque termina sendo um parasita +    dos consumistas. + +    -- 99-100 + +    Conheço casos de pais que batiam nos filhos dizendo que faziam isso para evitar +    que os filhos apanhassem da polícia. + +    -- 109 + +    RF. — Nos anos 60 houve o movimento hippie, as manifestações de 68 na França, +    mas todas as questões colocadas na época foram absorvidas pelo consumo. Houve +    então uma grande frustração. Não vejo hoje um processo que determine que +    devemos mudar nossa maneira de vestir, nossos cabelos, pois isso é muito +    superficial. Mesmo com nossas calças jeans, dentro desse sistema, podemos ser +    revolucionários. + +    Outro fator foram as falências, tanto dos modelos capitalistas quanto dos +    socialistas autoritários. Nenhum deles ousou romper com a estrutura da família, +    conservando-a como célula autoritária, o que permitiu a manutenção de governos +    autoritários. Bakunin, um anarquista, foi exilado logo após a Revolução Russa. +    Mesmo os revolucionários temiam a visão anarquista.  Conheci nos tempos da luta +    armada diversos companheiros que davam a vida pelo socialismo na luta, mas eram +    tiranos com suas mulheres e seus filhos. Se tomassem o poder, que sociedade +    iriam propor? Hoje a juventude tem consciência da falência dessas soluções. + +    -- 110 + +    Por segurança financeira quero dizer também uma certa estabilidade social; toda +    vez que eu mudei de profissão eu tive de, duramente, iniciar do zero. +    Entretanto, agindo assim, chega um certo período da sua vida em que se você +    tentou várias coisas, você terá três ou quatro possibilidades de trabalho. + +    -- 126 + +    P. — Como fica a pessoa que incorpora o senso comum, isto é, a pessoa que se +    limita em favor de uma segurança financeira e de uma aceitação social, mesmo +    adivinhando outras possibilidades? + +    RF. — Este é o ponto mais grave. Eu sou terapeuta e posso dizer que 80% dos +    meus clientes têm problemas psicológicos por não estarem fazendo o que +    gostariam de fazer. As pessoas fazem, convencidas pelas suas famílias, o que o +    meio social prefere; isto de fazer o que é imposto provoca nessas pessoas um +    grande sofrimento, que muitas vezes estoura fora do trabalho, estoura em sexo, +    em agressividade, em equilíbrio mental. + +    [...] + +    Numa sociedade como a nossa, com esta família autoritária e cumpridora das +    normas do Estado, as pessoas sensíveis, cujo projeto de vida não está dentro do +    que espera o meio social, sofrerão muita repressão; e esta é uma repressão +    muito danosa, pois é castrativa. Uma pessoa que não faz o que precisa fazer, +    tende a adoecer, perde, no mínimo, a identidade e o auto-respeito. + +    -- 127 + +    Uma pessoa livre é uma pessoa altamente solidária, à medida que fica mais livre +    fica menos egoísta, necessita mais dos outros. Enquanto egoísta, não percebe +    nem os outros e nem a sociedade. Ela vive realmente muito voltada para si, em +    busca de soluções para o seu sofrimento ou apenas amarga, impotente. + +    -- 143 + +    É preciso nunca esquecer que uma pessoa neurótica e que procura terapia ainda +    está viva e ainda pode ser salva. Seus sintomas são seus gritos de socorro, +    porque ainda querem ser elas mesmas e estão dispostas a lutar contra o que as +    reprime. As demais, são as que já se submeteram.  As outras são as que +    enlouqueceram e vivem internadas ou são as que se matam. + +    -- 147 + +## Amor + +    Em síntese, é o seguinte: pros jovens terem o amor de que necessitam pra amar e +    criar, têm de enfrentar toda a estrutura em que vivem, a familiar, a social, os +    preconceitos e tradições, etc. + +    [...] + +    As colocações tradicionais do tipo amor-pra- sempre, +    até-que-a-morte-nos-separe, etc., são as grandes fórmulas de escravização de +    uma pessoa às outras. Pra ter grana de sustentação, o casal tem de fazer tudo o +    que a estrutura quer.  Acho que temos de educar os filhos e alunos a não +    aceitar nenhuma dessas regras. Romper com as coisas significa fazer o que se +    tem necessidade e não o que é imposto. Deixar o cabelo crescer, deixar a escola +    se ela for quadrada. Devemos chuchar a leitura neles, para se complementarem. +    Não se pode forçá-los a nada. Deve-se dizer a eles que rompam com o que não +    estiver dando. Não está dando? Deixe de lado a amizade, o trabalho, a mulher, a +    família. Não fique com nada que não esteja dando, pois senão você se estrepa. +    Sinto na pele como, pra nossa geração, isso é difícil. + +    -- 99 + +    Dentro da minha visão, acho o casamento um absurdo. Eu gostaria de falar sobre +    o acasalamento, porque quanto ao casamento eu só quero que acabe, que não +    exista mais, porque o casamento é uma das grandes fontes de destruição do amor. +    Mas o acasalamento é indispensável. Acho que as novas formas de acasalamento +    que hoje estão sendo pesquisadas pela juventude no mundo são a medida das +    transformações atuais na história do homem. Porque não acredito que haverá +    modificação alguma nesta fase da história do homem se não se modificarem as +    regras de funcionamento e os objetivos da família. + +    -- 115-116 + +    O que acho mais bonito e vejo no amor dos casais revolucionários é como eles o +    vivem de forma lúdica, brincando e jogando sempre. A ludicidade é a mãe do +    tesão e, ao mesmo tempo, o pai da criatividade. É o processo de criação, no +    amor, que garante a sua sobrevivência. + +    - 118 + +    Acho interessantes as relações de suplementação entre os casais porque nós +    estamos acostumados a buscar no outro algo que nos complete. Isso para mim é um +    grande erro, porque a grande novidade que eu estou vendo é as pessoas não +    precisarem nada uma das outras para que o amor seja realmente uma troca de +    emoções, de delícias, de encantamentos e não apenas um quebra-galho onde um dá +    força para a fraqueza do outro. As pessoas se encontram para brincar, para ler +    juntas, para fazer + +    -- 119 + +## Felicidade e alegria + +    A grande decepção dos amantes que buscam a felicidade (estado de prazer +    permanente, institucionalizado) através do amor é produzida pela sua +    incapacidade em aceitar que, como todas as coisas vivas, o amor também tem um +    começo, um meio e um fim.  Nem seu tempo, nem seu espaço e nem o seu tesão +    podem ser determinados e controlados por razão da vontade e pela força de +    poder. Assim, às vezes somos obrigados a perder um amor precocemente, ou a ter +    de suportá-lo desnaturado, moribundo ou mesmo morto. Só a liberdade e a +    autonomia nos ensinam a aceitar biológica e humanamente o tempo, o espaço e o +    tesão das coisas vivas. + +    Creio já ter conseguido expor todas as razões que me levam a concluir ser a +    felicidade algo impossível de se atingir sem a deformação biológica e +    psicológica do ser humano e, mesmo quando isso é realizado, não se trata de +    prazer saudável e libertário o que se conseguiu, mas, exatamente, a sua +    contrafação: o poder autoritário e patológico. Logo, definitivamente, a +    felicidade é uma coisa impossível de ser alcançada. Em verdade, acho que ela +    não existe e nem é, sequer, necessária. Penso mesmo que sua ideologia deve ser +    fortemente combatida tanto como estratégia política ou como delírio religioso e +    patológico, produzidos ora pela fome e ora pelo desespero, tanto pela miséria +    quanto pela carência amorosa, mas sempre, em quaisquer situações, manipulados +    pela paranóia autoritária do poder. + +    -- 48 + +    Mas, felizmente, apesar de tudo, estamos com a vida do nosso lado e eles, os +    profetas da Felicidade, algum dia também compreenderão que sem tesão não há +    mesmo solução. Mas, ainda alucinados e insaciáveis, estão muito longe de se +    convencer, como nós, modesta e espertamente, que em lugar de qualquer tipo de +    felicidade aqui e no além, buscamos simples e naturalmente a alegria. Alegria, +    coisa tão incerta como o vento, que tem dia que vem, dia que não vem, que às +    vezes é tão forte que vira tufão, outras parece apenas brisa suave, que pode +    vir do sul ou do norte, do leste ou do oeste, mas que vem, queiramos ou não, na +    hora ou no jeito que bem entender. + +    -- 50 + +    Falo de alegria entendida como a expressão gostosa, saborosa, orgástica e +    encantada do funcionamento satisfatório e equilibrado de nossa energia vital no +    plano físico, emocional, psicológico, afetivo, sensual, ético, ideológico e +    espiritual. Tudo isso significa também metabolismo, num sentido amplo. + +    -- 51 + +## Psicanálise + +    Nascida profundamente do pensamento pessimista, de triste, um homem amargo e +    genial, mas ressentido, a Psicanálise reflete as características da história da +    religião e da raça judaica no mundo. Sigmund Freud era um homem que, segundo +    seu discípulo Wilhelm Reich, permitia-se pouca convivência com o prazer, com a +    beleza e com a alegria lúdicos da existência comum, o que provam suas obras +    principais. Afirmar a existência, no homem, de um instinto de morte, é supor +    ser a morte um mal, algo destrutivo e não simplesmente a ausência, o fim da +    vida. A sua afirmação de que a morte é uma entidade equivalente à da vida, +    parece coisa mais de sua formação religiosa que da científica, pois ela sujeita +    o homem aos poderes políticos (via religião ou via ciência) para ser exorcizado +    do mal inerente à sua natureza imperfeita. Isso os torna incompetentes e +    perigosos para a vida social, sem proteção, tutela e controle permanentes. +    Enfim, dependência, resultante da suposição de sua incapacidade natural para a +    autonomia e a autodeterminação. + +    Vivendo em sistemas políticos autoritários, aos quais tanto religião como +    ciência estão ligados, associados e dependentes, a visão trágica da existência +    é um dos suportes ideológicos mais poderosos e úteis para a sua manutenção. +    Assim, por exemplo, a análise infinita e inútil do complexo de Édipo. Para mim, +    não passa de um exercício de poder, tentativa de sujeição ao poder do pai, bem +    como ao do analista. Édipo, personagem da tragédia grega, que arranca os +    próprios olhos como punição para aliviar o sentimento de culpa por ter transado +    sexualmente com uma mulher que desconhecia ser sua mãe, mostra claramente como +    Freud, ao adotá-lo para simbolizar o complexo por ele descoberto, necessitava +    do sentimento trágico da existência para justificar a crença de que a vida +    lúdica dos homens estará inexoravelmente sujeita ao controle e punição por +    parte dos poderes autoritários e deuses antropomórficos, criados e utilizados +    por seus representantes na Terra. + +    -- 26-27 + +    Meu analista fez um esforço total para eu poder projetar meu pai nele e +    conseguiu, era um grande analista vienense. Mas o que me incomodava mais não +    eram os problemas teóricos, era a impossibilidade de viver a vida. Você ficar +    trancado das oito da manhã às sete da noite num consultório fechado, ouvindo as +    mesmas pessoas todos os dias, é um negócio muito doloroso. + +    -- 149 + +## Individual e coletivo + +    E dentro da consciência de cada pessoa e a cada instante, a realidade estará +    sendo vista e percebida através de movimentos contraditórios como na dialética +    tradicional, mas os protomutantes não vão se satisfazer com os estágios +    provisórios que forem sendo atingidos. Eles vão querer superá-los sempre: negar +    ao mesmo tempo o que afirmam e combater o que acabam de provar. Sua consciência +    será polar. Mas polar no sentido de que num extremo está a sua tendência +    natural social, que impele a pessoa a se integrar no meio ambiente em que vive +    e que forma a extensão externa mais imediata de seu universo. E, no outro +    extremo, está a sua outra tendência, também primária e natural, de se afirmar +    como individualidade, com realidade e identidade próprias. A sua sabedoria não +    consiste em colocar o barco ideológico e moral no rumo do meio-termo, mas saber +    quando é a hora de se associar aos outros e quando é o momento de se +    distanciar, quando é o tempo de pensar em si mesmo e quando é a hora de +    esquecer de si. + +    Esse “quando é a hora”, que constitui o núcleo da sabedoria do protomutante, +    está sempre ligado (no sentido de atento) e atuando de modo permanente. Ele só +    pode ser explicado como produto do tesão regulando e harmonizando a relação do +    espaço e do tempo na vida das pessoas livres. Assim, constatando que o +    protomutante se orienta fundamentalmente por seu tesão, concluímos que terá de +    ser lúdico o seu viver cotidiano, que vai combater por pura vocação todas as +    formas de autoritarismo, que seu prazer serve mesmo é para amar e para criar, +    que sempre vai encontrar um jeito potente e competente para se associar e +    conviver, para ser amigo, para ser amante e companheiro, para ser cúmplice e +    solidário com as pessoas que seleciona ao sabor das ondas e marés do seu +    encantado tesão cotidiano. + +    -- 35 + +## Organização + +    Refiro-me à relação misteriosa e dinâmica entre o todo e as partes, existente +    na essência e na estrutura das coisas vivas. O seu todo é muito mais e outra +    coisa que a simples soma e a superposição das suas partes. Cada parte viva, +    resumida até o limite da unidade, contém em si, de modo sintético, cifrado e em +    potencial, o que é e significa o todo a que pertence. Da relação dinâmica entre +    o todo e as partes, surge a energia que sintetiza e cifra o potencial da vida +    nas partes e que se revela, se expande e se integraliza na organização do todo. +     +    Estou falando, por exemplo, do mistério que produz nas sementes vegetais a +    presença dos potenciais da árvore adulta e, inclusive, o potencial desta +    produzir novas sementes da mesma espécie que, quando germinadas, produzirão +    árvores adultas, mas originais e diversas das que as geraram. + +    -- 22 + +    Além disso, o relativismo explica também a naturalidade existente na atividade +    lúdica do homem novo em sua vida cotidiana. O jogar e o brincar adultos +    traduzem nossa vocação para criar e amar, bem como a de lutar, também +    ludicamente, para nos garantir a liberdade relativa de amar criativamente e de +    criar amorosamente. + +    Logo, o relativismo assim compreendido e assumido afasta qualquer necessidade +    de poder hierarquizado e autoritário na organização das relações interpessoais, +    familiares e sociais, sobretudo de poderes que pretendem ser absolutos. + +    -- 29-30 + +    Como se poderia entender o significado da liderança em associações nas quais +    não estaria existindo nenhuma forma de autoritarismo? Para isso vamos nos +    socorrer da genética que explica o conceito protomutante de “diferença”, um dos +    pilares de sua ideologia anarquista: a natureza necessita que os homens não +    sejam iguais uns aos outros, a fim de poder ampliar a amostragem e as +    alternativas na dinâmica da seleção natural. + +    [...] + +    Acredito que inteligência e criatividade possuem algo em +    comum, mas nenhuma delas é apenas isto: capacidade de +    solucionar o mais rápida e satisfatoriamente possível problemas +    novos e inéditos. + +    -- 36 + +Interessante, exceto pela repartição não-igualitária de "benefícios e lucros", +o que pode ser entendido como uma falta de generosidade (modelo da regulação +por trocas versus desregulação da doação): + +    Considero, pois, a liderança algo que é, além de emergente, também +    circunstancial, temporária, descartável e recorrível. Até as lideranças +    emergentes se tornam autoritárias se se estratificam, se se impõem e se tornam +    estáveis, estáticas, únicas e permanentes.  Sendo assim, na organização da vida +    social dos + +    Sendo assim, na organização da vida social dos protomutantes até os exercícios +    do prazer e do poder de liderança se enquadram no relativismo lúdico geral da +    vida, tornando-se assim um grande tesão ser líder e ser liderado dessa forma. +    Como os protomutantes só podem se associar de forma anárquica, tanto para +    conviver quanto para produzir, a sua dinâmica organizativa, além de funcionar +    através de uma dialética ecológica, irá também descobrir maneiras originais e +    específicas de funcionamento em autogestão. Isto quer dizer que a sua produção +    é projetada, organizada, financiada, gerida, controlada e utilizada por quem +    produz, recaindo seus benefícios e seus lucros de modo proporcional à qualidade +    e à quantidade de trabalho criativo realizado por cada produtor. A decisão a +    esse respeito é tomada por todos aqueles que produzem. + +    -- 37 + +## Autoritarismo + +    Então, foi justamente convivendo com essas famílias que pude descobrir o quanto +    éramos autoritários, apesar de estarmos arriscando nossas vidas no combate ao +    autoritarismo da direita brasileira. Falo do autoritarismo na relação com a +    companheira ou com o companheiro, na relação com os filhos, na relação com os +    demais companheiros fora do campo de luta. Eu, nessa época, já me escandalizara +    com meu machismo disfarçado e me submetia à Somaterapia. Alguns desses +    companheiros, como eu, acabaram por sacar essa contradição absurda e, +    inclusive, submeteram-se também à Soma, em sessões individuais ou em grupos, +    nestes arriscando-se enormemente, pois trabalhávamos de madrugada, em lugares +    variados e sob severo sistema de segurança, que nem sempre funcionava. Eu +    ficava pensando que a violência autoritária da direita sobre a gente era a +    contrapartida do medo que tinham da violência do nosso autoritarismo de +    esquerda. Nós queríamos o poder, nós e eles, para exercer a mesma atitude +    política de posse, domínio, controle e mando na individualidade do outro, +    sobretudo através da prioridade e prevalência de um social abstrato sobre um +    pessoal concreto, assim como se quem tivesse o poder era o dono e o +    representante do social, ao que todas as pessoas tinham de se submeter. O +    abstrato do social tornava-se coisa concreta nas pessoas que encarnavam o +    poder. E o poder assim instituído só pode ser de cima para baixo e arbitrário. + +    -- 134 | 
